quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Mês depois

Chamavam ela de Rosa, porque o resto do seu nome era impronunciável, uma justaposição de sufixo e prefixo desnecessária. Diziam que se parecia muito com uma atriz do começo do cinema: traços longos, bem delineados, magra, mas nada que mostrasse os ossos, nem ombro nem clavícula, aliás esse era o seu limite: quando era possível vê-los, qualquer um deles, sabia que era preciso rever sua dieta, até para estar bem disposta para o trabalho ou para o samba das noites de quarta, intermináveis como toda a noite bem aproveitada. Ah, tinha os joelhos mais bonitos da roda e arrancava elogios mesmo dos que não a conheciam, bastava colocar a saia e pronto. Por vezes nem sabiam exatamente o que elogiavam: se a proximidade com a atriz ou os joelhos, mas assim ficou conhecida por todos e todos diziam: "oi atriz", mesmo que nunca soubessem o nome da mesma para tornar mais próprio o elogio.
Assim, nesse teatro de faz de conta passaram anos e a despeito de envelhecer ficava cada vez mais bonita até que um dia chegou na vila um professor, que não sambava, mas que ia sempre ao samba, dizia que para se aproximar, até que se aproximou mesmo de Rosa, enquanto um menino falava que a tinha visto no cinema numa das seções extras de filmes antigos, preto e branco inclusive, e afirmava que era ela, que tinha tido filhos e que terminou feliz para sempre com o galã. Quando o professor interveio para dizer que era impossível, não podia haver ninguém como ela, que sua beleza era única e mesmo que fosse próxima da da atriz, era muito melhor, porque era real. Falou também que era absurdo alguém compará-la a uma atriz, porque a cópia era só a primeira forma de arte e ela era a própria arte, sem cópias, mas nisso o menino já estava longe, não ouvia mais. Quando ouviu que ele a chamou de Rosa isso foi suficiente para convencer seu coração e acabar de conversar o resto em casa.

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